segunda-feira, 28 de abril de 2008

Pensamentos errantes

Sentado, com o trabalho concluído, mas ainda a olhar vagamente para o blueprint, pensava [...] mostrando o seu sorriso largo e generoso, ao entrar no laboratório de campanha.

9 comentários:

Teresa Durães disse...

a dicotomia corpo-alma descrita como está pertence a uma religião ou a mais mas não engloba todas. O corpo pode ser simplesmente o reflexo da alma e não apenas um pedaço inerte e articulado com vontade própria. Penso que nem no catolicismo assim é declarado. (depende também se falamos dos dias de hoje, do cristrianismo original ou simplesmente balelas de um padre qualquer)

Teresa Durães disse...

se pensarmos na corrente existencialista nem existe dicotomia mas apenas a acção e a responsabilidade pela mesma. o deus morto e a responsabilidade nos nossos actos. O mundo indiferente ao que fazemos e o que conta é a nossa acção

Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) disse...

Em primeiro lugar, Teresa, obrigado pelos teus comentários.

Depois, parece-me útil, se me permites, re-situar o texto que comentas no seu contexto, o que farei de seguida. O texto não é uma formulação minha das ideias por que me bato em torno da questão do lugar, e especificamente do corpo como lugar originário e imediato. E, por extensão, não é também uma formulação minha das ideias que combato. São pensamentos que correm na cabeça de um descendente meu, parece que bisneto, e muito lá para o fim do presente século. O tal bisneto, muito à sua maneira, resume assim as ideias que parece terem sido apresentadas por mim na década em que vivemos. Como é dado a saber no texto, a humanidade passou por crises terríveis e quase ia desaparecendo. Não admira que o conhecimento de um passado tão recente se esbata numa espécie de penumbra, por já não existir a sociedade que suportou as ideias referidas e os testemunhos materiais serem tão exíguos, como ocorreu nas sociedades que nos antecederam, seja a das tribos semitas nómadas, a cultura dita celta, a dos hititas ou outra qualquer.

O que nos leva, finalmente, ao terceiro ponto que é discutir o teu primeiro comentário. Não me parece que a dicotomia corpo-alma pertença a uma religião. Analisando a minha base de conhecimentos, sustentaria que o animismo é pré-religioso, no sentido de pré-existir a qualquer religião minimamente organizada. Do mesmo modo a concepção de entidades anímicas parece anterior à concepção de entidades divinas. Os fundadores do monoteísmo abraâmico, pelo contrário, não teriam qualquer ideia de alma como a concebemos hoje nem da sobrevivência de algo após a morte. O seu ideal de regresso ao paraíso perdido não estaria muito longe do ideal sionista da criação do Estado moderno de Israel, ou do ideal marxista (também ele judeu) de uma sociedade sem classes. A dicotomia aparece explicitamente no quadro do período áureo da filosofia grega, com Platão. Com Platão, corpo e alma são dois mundos separados e irreconciliáveis. Platão, além disso, odeia o corpo. O cristianismo recebeu a influência de Platão através das escolas neo-platónicas. Antes, o pensamento ds cristãos primitivos não se distinguiria muito do das outras seitas judias. A influência do platonismo no cristianismo atinge o seu apogeu com Agostinho de Hipona, na Alta Idade Média, e declina a partir do segundo milénio dando lugar à influência do hilemorfismo aristotélico. A influência de Aristóteles vem por intermédio dos árabes (Averroes, por exemplo) e passa por Boaventura a Tomás de Aquino. O Tomismo, se não oficial, é o pensamento teológico oficioso da igreja católica romana desde o século 12 para cá. Embora o dualismo seja mitigado (o hilemorfismo defende a unidade inseparável de um princípio material com um princípio formal), assenta no pressuposto do criacionismo, pois continua a sustentar a espiritualidade e a consequente imortalidade do princípio formal. Pondo de lado a história das ideias e indo à história das práticas, o tratamento que a igreja, através dos seus agentes, deu ao corpo foi, na sua prática corrente, mais que execrável. E a prática usual ao largo de séculos não foi outra senão a de destruir o corpo, através da humilhação, do suplício ou da fogueira, para salvar a alma Independentemente do que pensam as religiões do dualismo ele continuou a agudizar-se na filosofia moderna sobretudo a partir de Descartes com o dualismo "res cogitans" - "res extensa". Creio não se tratar de um "erro", mas de um projecto mal percebido de emancipação da filosofia e da ciências em relação à teologia. Nos tempos actuais, nenhuma disciplina científica sustenta a existência da alma e, se a ideia subsiste ainda, deve-se a uma questão de crença pessoal baseada na cultura ancestral, na tradição e no magistério das diversas igrejas e espiritualidades laicas. Mas não devo acabar a minha exposição sem dizer o que penso sobre o assunto: 1. tudo começa e acaba no corpo - o corpo é tudo. 2. o corpo é um triplo lugar: endo, meso e exo, por analogia com os três folhetos embrionários (ver posts em "Os monos"). 3. o corpo é organizado permanentemente a partir de um duplo código, o genético e o mimético. O meme "alma" revela-se um indutor poderoso na construção do nosso exocorpo, tal como o meme "carne" na do nosso endocorpo. Mas isto é para outro Lugar

Em quarto e último lugar, a questão da "corrente" existencialista. Faço a observação que me fizeste em relação à religião: existencialismos houve muitos. Que pensará Gabriel Marcel (existencialista católico) deferente de Jacques Maritain (tomista) em matéria de dualismo? Que pensará Martin Buber, existencialista judeu? Que pensará Heidegger (luterano? ateu? nazi?) inspirado pela fenomenologia de raiz aristotélica? e Karl Jaspers, psiquiatra muito psi? e Sartre, o dualista supremo da paixão inútil de querer unir o pour-soi no en-soi?

Muitas das coisas que atrás ficaram escritas foram produzidas ao sabor da pena como numa conversa informal. Não são profundas nem rigorosas. Mas o meu estilo é assim: é a errar que nós progredimos. E progredir é apenas viver.

Teresa Durães disse...

ultrapassas os meus conhecimentos. vou ali ler para poder responder :)

p.s. sou existencialista até um ponto. sou pela dicotomia :))

Teresa Durães disse...

p.s. da minha leitura vaga sobre o cristianismo, nem todo o homem tem o sopro de Deus. estarei errada?

sei que o cristianismo baseou-se na filosofia grega através de Agostinho. Mas o corpo, diria, não era assim tão mal tratado mas regulado. Através da oração e meditação não havia lugar a pensar em problemas carnais.Uma filosofia que cedo se perdeu para dar lugar ao sofrimento séculos depois.

Teresa Durães disse...

O corpo na versão de Philippe Forest:

É regulado por aquilo que a consciência não controla: o inconsciente de Freud.. Os impulsos agem sobre nós revela-nos que muitas vezes somos aquilo que ignoramos ser.

(espero que esta troca de comments não seja impertinente)

Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) disse...

Penso que a impertinência só pode vir da imposição: a troca de comments desejada pelas duas pessoas nunca será impertinente. Eu gosto de polémica se tiver a liberdade de responder se quiser, o que quiser, quando e como quiser.

Sobre as questões que me pões:

1. És pela dicotomia. Entendo que aceitas (racionalmente ou por fé, não interessa) a existência de uma alma imortal e que não tem a mesma natureza de todo o universo material. Este é, portanto, um ponto de desacordo entre nós.

2. O corpo sempre foi para o cristianismo algo desprezado. No proto-cristianismo, o corpo era um depósito da alma (templo, tabernáculo, sepulcro). Tinha origem no lodo (ou lama, ou barro) e haveria de converter-se em pó (ou cinzas). Creio que a teoria da ressurreição é precoce no cristianismo: não transparece da mensagem de Cristo mas começa a surgir a partir do momento em que se consolida a hipótese da ascensão ao céu em corpo de Jesus e da sua mãe Maria. Estas questões não eram exclusivas dos cristãos, pois também eram partilhadas pelas diferentes seitas judias espalhadas pelo império. Foi sobretudo na comunidade judaica que surgiu a preocupação de adoptar as ferramentas intelectuais dos povos com quem conviviam muito mais cultos. O neo-platonismo (sobretudo através de Plotino) propaga-se na comunidade judaica ortodoxa e passa para os cristãos através das discussões teológicas frequentes entre estas duas comunidades que identificam o Uno de Platão com o Jeová das escrituras. Mas a influência mais devastadora para o desgraçado corpo veio através do maniqueísmo (outro subproduto do platonismo) doutrina tão radical que acabou por ser condenada e perseguída pela hierarquia da igreja. Mas a questão que me parece mais relevante não é a postura intelectual mas moral da igreja face ao corpo e tudo aquilo que ele lembra de contaminado pelo mal: a mulher, a sexualidade, a luxúria, a gula, a preguiça, etc. Por exemplo, a luta contra a mulher e a defesa da sua subordinação ao homem já vem de Paulo (salvo erro carta aos Coríntios). A evolução a partir do século XII é uma espiral de violência contra o corpo em nome da alma (para não falar da história da europa e da caça às bruxas, lembro-te o horror da escravatura dos povos africanos e o genocídio dos povos ameríndeos). É mesmo ódio profundo ao ser humano (sobretudo àqueles que não têm alma: as mulheres e todo o tipo de pretos). Bem, a conversa vai longa e desorganizada.

3. Pessoalmente não reconheço nenhuma autoridade científica às hipóteses psicanalíticas que também não me atraem do ponto de vista narrativo ou poético. Sobretudo a teoria estrutural de Freud do Id, Ego e Superego. Mas faço a Freud a justiça de reconhecer que nunca separou o corpo da alma, entendendo ele que, quer a consciência, quer o inconsciente dinâmico, provêm dos impulsos básicos do organismo e da regulação social. Por outras palavras, a mente é um facto incontornavelmente biológico. Philippe Forest é um escritor interessante que andou na órbita do Tel Quel (a minha revista dos anos 60-70) e que se passou mais tarde para a cultura nipónica. Pouco conheço dele e não faço a mínima do contexto em que ele diz o que citaste. Agora o que eu acho é que a Não Consciência ( o contrário da Consciência e da Inconsciência ) toma em grande medida o controlo do corpinho. Mal fora que eu tivesse que esperar por um processo mental para contrair as pupilas quando me apontam uma luz aos olhos!

Teresa Durães disse...

O cristianismo despreza o corpo mas penso que as religiões de culto à Mãe Natureza, Gaia ou outra pensam o contrário. É prova disso a eleição Mulher de Maio (a mais bela)...claro que fazem os cultos aos Deuses, não os matam ;)

Teresa Durães disse...

P.S. o sexo nas religiões do culto á Mãe também é estimulado e visto como sagrado. Penso que o radicalismo do cristianismo vem daí - por oposição. No Judaísmo, se não estou errada, também não é visto do mesmo modo como no Cristianismo dado terem o Sabath para a união dos opostos.